PAIXÃO SEGUNDO O GRUTA
Por Adriano Barroso


Um Grupo de teatro nascido sob o signo da contestação, nos idos de 69, em uma cidade dormitório (à época, distante de Belém), que atravessou mais de quatro décadas exercendo o fazer teatral praticamente ás próprias custas, é no mínimo uma boa história a ser contada. Mas o Grupo Gruta de Teatro é ainda um pouco mais.
            O Gruta é considerado na capital paraense como um grupo de teatro referencial, e não sou eu quem diz isso, entre todos os fazedores da cena paraense que tive oportunidade de entrevistar, o grupo é citado pelo seu trabalho esmerado no ator, seus cenário enxutos e pela sua combatividade nos temas que leva à cena.
            Em 43 anos de existência, o Gruta montou 27 espetáculos, dos mais variados autores. Desde teatro infantil como “A menina e o vento”, de Maria Clara Machado, até textos de seus próprios integrantes, como é o caso da chamada fase regionalista do grupo, com espetáculo como “A farsa do boi” e “a peleja dos soca-soca”, onde o grupo mergulhou na cultura popular. Mas seu histórico passou ainda por Sófocles, Brecht, Shakespeare, Moliere, Heiner Muller, entre outros.

Em todos os espetáculos a marca indelével do diretor Henrique da Paz esta lá, uma preocupação pontual no trabalho do ator em cena, a sintaxe do texto trabalhada de maneira exaustiva a luz e um cenário sem pirotecnia, privilegiando o ator em cena.
Há muito tinha vontade de contar a história do Grupo por que acho que além de contribuir para a cena artística brasileira é uma história viva da vida social paraense da virada do século XX para o XXI, uma vez que o grupo sempre se portou como um cronista do seu tempo. Foi perseguido pela censura na década de 70, excomungado pela igreja católica, na década de 80, foi para a rua por não haver casas teatrais disponíveis para o teatro paraense na década de 90 e chegou nos anos 2000 antenado em todas as transformações mundiais e, sobretudo, regionais, porque passava. Se apropriando dos autores mundiais, o Gruta gritou, esperneou e reuniu sua audiência para repensar juntos os caminhos que a sociedade da virada do século seguia em textos memoráveis como ‘Cínicas e Cênicas”, “Caosconcadecáfica”, “Ele não sabe que seu diz é hoje”, “Duas vezes Brecht” para citar alguns.
Este ano de 2011, financiado pela Bolsa de Pesquisa artística do Instituto de Artes do Pará consegui ter a oportunidade que queria para contar essa história. Encarando o maior dos desafios, que é contar uma história do lado de dentro. Passei a pesquisar, como um pequeno grupo de jovens secundaristas reunidos na Vila de Icoaraci (a 18 quilômetros de Belém), durante os anos de repressão tiveram a estalo de usar o teatro para politizar. E foi exatamente desse pensamento que nasceu a idéia do livro que pretendo lançar no ano que vem.


Entrei no Gruta quando ainda era Grupo de Teatro Amador, idos de 94 para fazer a sonoplastia do espetáculo “A Vida, que sempre morre, que se perde em que se perca?”, adaptação do Henrique da Paz para a tragédia Antígona, de Sófocles. E desde lá já havia uma piada interna do grupo quando o assunto era mandar um material de divulgação para jornais. “Um grupo de jovens que se reuniam em Icoaraci...”, sempre começava assim. Todos ríamos quando qualquer repórter perguntava: e como surgiu o Gruta, e lá vinha o Henrique com o texto mais do que decorado: “Um grupo de jovens que se reuniam em Icoaraci...”, as gargalhadas deste histórico do Gruta se perpetuam até hoje. Depois de 17 anos acompanhando o Grupo ainda rio do Henrique quando o assunto é como nasceu o Gruta.
Mas com o tempo, essa piada interna foi me despertando uma curiosidade, uma cisma e finalmente uma necessidade. Achei que estava ali, em uma piada há muito contada e partilhada pelos diversos integrantes que passaram pelo Gruta, uma boa história para contar.

Como um grupo de jovens na longínqua (à época) vila de Icoaraci se reuniram para protestar, para se colocar diante do mundo, para falar de suas dores, amores e desejos? Baseados em que? Em quem? Numa época, e num Estado onde as informações demoram a chegar (antes da internet, claro), como aqueles jovens de Icoaraci reuniram informações para irem ao palco? Por que não montaram uma banda de rock? Por que não pintaram os muros? Por que o teatro foi a arte escolhida para colocar a boca no mundo?
Achei que estaria aí uma boa história a ser contada. E acertei (me desculpem a falta de modéstia), a história do Gruta está recheada de acontecimentos. Desde a sua criação até o espetáculo mais recente, o Gruta pulsa.

Ao passar dos anos, o Grupo de Teatro Amador, passou a se chamar Grupo Gruta de Teatro, pois os seus integrantes observaram que o termo “amador” para a imprensa local e para muitos desavisados inspirava um certo desleixo na construção de sua arte. Então, decidiram suprimir o termo, colocando em ata o novo nome do Gruta. Mas jamais modificaram o seu significado, pois o Amador está lá. Para sempre. Em letras maiúsculas. Amador no sentido dos que amam. Por isso o nome dessa biografia é A PAIXÃO SEGUNDO O GRUTA.

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